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Sunday, July 17, 2011

Índia x Brasil

Diferenças prosaicas entre Brasil e Índia (e outras nem tão prosaicas assim):
1. No Brasil, a maior preocupação ao se lavar a louça é com a presença de restos alimentares, na Índia, pega mal se você deixar resíduos de sabão ou detergente na louça, porque ninguém quer comer estes produtos químicos. E não precisa arear a panela, tudo bem se ela tiver aquele aspecto de usada, ninguém vai achar que você é desleixada porque não tem um conjunto de panelas brilhando, como no Brasil.
 2. Se você quiser ficar elegante no Brasil, compra roupas de marca ou assinadas. Na Índia, usa as jóias mais carregadas de ouro. Quanto à beleza feminina, não precisa fazer as unhas ou passar maquiagem se for indiana. Óculos também não estragam o visual. Mas o cabelo deve ser negro, comprido e bem cuidado. Uma flor no cabelo também é bem feminina.
3. Para os brasileiros, ainda é muito chique consumir bens de cultura europeus, especialmente os franceses; para os indianos, nada se compara ao apelo dos americanos.
4. Você pode ir à casa de um amigo ligando quando estiver saindo, ou nem avisando, se quiser visitá-lo na Índia, enquanto aqui é melhor ligar com antecedência e às vezes, até para jantar na própria casa, faz-se convites mais formais. Também é de bom tom levar flores ou algum presente, mas os indianos são mais informais.
5. Ao se preparar a comida brasileira, atenção aos detalhes, cebola e alho devem ser finamente picados, assim como os demais ingredientes, com atenção ao formato dos pedaços. A comida indiana pode ser picada de forma mais grosseira, mas a cozinheira precisa se preparar com cuidado antes de entrar na cozinha, gastando tempo na própria higiene pessoal.
6. Os indianos valorizam muito a família e a ligação e o respeito que temos pelos que estão à nossa volta, enquanto os brasileiros gostam da sensação de liberdade e de poder decidir sobre a própria vida.
7. Os Beatles popularizaram a imagem da Índia como a terra dos hippies por excelência: nada mais longe da verdade! Os indianos valorizam muito as conquistas humanas e lutam muito para realizá-las. Os brasileiros são mais "hippies", na verdade, porque sabem muito melhor como desfrutar do prazer hedonista e desmotivado que podem encontrar.
8. As crianças indianas precisam se esforçar nos estudos e obedecer rigorosamente aos pais. Já as crianças brasileiras são estimuladas a exercer a criatividade e a crescer sem grandes controles pela família.
9. Meninos indianos são vistos como muito capazes e valiosos na escola, meninos brasileiros são vistos como arteiros e desinteressados dos estudos. Se gostam de estudar, são nerds ou introspectivos, olhados como esquisitos (acho que aqui "O menino maluquinho" se tornou nossa regra de como deve ser um menino saudável, excluindo-se os outros tipos possíveis).
10. Na Índia, carimbos de grandes universidades americanas mostram o valor de uma família; no Brasil, a marca do carro e as posses de uma família estão acima de todos os outros qualificativos. Se alguém é rico porque roubou, não há problema. O inverso não é verdade: mesmo que você estude muito e faça algo útil para a sociedade, não tem valor se não tiver dinheiro.
Tento aproveitar o que me atrai em cada cultura, já que tenho a possibilidade de olhar para elas deste lugar intermediário. Nem sempre é fácil uní-las, mas me faz refletir muito sobre fatos em que eu tinha tanta certeza...

Thursday, June 30, 2011

Histeria

Conversando com colegas psiquiatras, percebi que muitos têm medo de que os filhos sejam histéricos... Acho que todos os pais sentem medo que o filho tenha algum problema escondido, que alguma coisa que não foi bem durante a criação possa se manifestar no futuro. Pais se sentem culpados por vários motivos, então é natural que às vezes fiquem com medo. Mas achei curioso esse receio particular dos psiquiatras em relação à histeria, é como se tudo pudesse ser perdoado ou entendido, mas para a histeria não existisse redenção...
Apesar de existir uma classificação psiquiátrica atualizada e que não contém esse termo, a palavra histeria ainda é bastante utilizada informalmente. A raiz da palavra é grega e histeros é útero. Acreditava-se que as alterações vistas em pessoas que tinham comportamento alterado sem uma explicação plausível, e que em geral eram mulheres, fossem devidas aos efluxos uterinos, que ao invés de migrarem para o exterior, seriam direcionados para a cabeça, causando o transtorno. Essas mulheres muitas vezes não conseguiam mover um membro, ou então desmaiavam, tinham falhas de memória, e outros sintomas diferentes. Posteriormente, com a adoção da teoria psicanalítica, os sintomas histéricos passaram a se chamar "conversivos", pois significariam a conversão de uma angústia em uma sensação corporal devido à dificuldade da mente do indivíduo para poder tornar consciente tal angústia. No tempo atual utiliza-se a denominação transtorno somatoforme, devido à proeminência que o corpo assume como lugar das manifestações patológicas neste quadro.
Mas a histeria também pode designar uma personalidade alterada cujos traços principais são a dificuldade em se ligar afetivamente, o uso da sensualidade para manipular as pessoas, a busca por atenção e a grande intensidade dos sentimentos. Estas manifestações tão distintas confundem quem ouve o termo, e muitas vezes dois interlocutores estão falando de assuntos diferentes quando falam sobre histeria.
Voltando à idéia inicial, ontem mesmo uma paciente ficou indignada que tivesse este diagnóstico e falou que borderline ela entendia que pudesse ser, mas histriônica não... Uma possível explicação para a ojeriza ao quadro possa ser a dificuldade em lidar com as pessoas que têm estes traços. Ao mesmo tempo em que a histérica busca ajuda e se mostra disposta a encontrar saídas para seu sofrimento, logo a seguir joga fora qualquer idéia que você ofereça, fazendo o médico se sentir inútil. Talvez este sentimento de frustração e a sensação de que não há o que fazer atinjam o cerne de todos os médicos...Mas o que me consola é que ninguém tem uma resposta para ajudá-las... Todos nós ficamos à mercê do tempo e do desejo delas...

Monday, April 11, 2011

Resenha do filme "As bruxas de Salem"

Recentemente revi o filme "As bruxas de Salem - The Crucible", de 1996 durante uma reunião para discutirmos a respeito de histeria coletiva. Acho que o filme tem muitos outros aspectos além desse, e por isso quis escrever sobre ele.
A história se baseia em fatos reais, ocorridos na vila de Salem, em Massachussets, em 1692. Tudo começa quando uma empregada negra faz rituais de vudu nos quais várias meninas da aldeia se envolvem, e são descobertas e acusadas de bruxaria. Quase 20 pessoas foram condenadas à morte por envolvimento com feitiçaria após o grupo começar a fazer acusações de envolvimento com o demônio contra outras pessoas. É um filme tenso, a sensação final é de tristeza e de questionamento a respeito do porque há perda da razão compartilhada por tantas pessoas e que geram consequências tão terríveis.
1. Histeria coletiva: refere-se a um adoecimento ou comportamento estranho que é coletivo e sem causa aparente. Em geral há sintomas somáticos, como náusea, tontura, palidez, dispnéia, etc. No filme, a histeria coletiva é utilizada por pessoas da vila para realizar seus intentos, como eliminar a esposa do amante e conseguir visibilidade e poder  (Abigail WIlliams), para vingança e até para conseguir descartar os vizinhos para aumentar seu quinhão de terra (Mr. Putnam).
2. Justiça: ao longo do filme são realizados vários julgamentos e percebe-se a manipulação que os advogados, e mesmo o juiz, fazem sobre as testemunhas e acusados, de acordo com a própria opinião. Ao negar que seja uma bruxa, o procurador pergunta como é possível que a acusada faça essa negação se ela nunca viu antes uma bruxa e não sabe como ela seja... É o paroxismo da argumentação que não permite saída possível. O governo de Massachussets se desculpou oficialmente e considerou os acusados inocentes em 2001, 300 anos após o julgamento.
3. John Proctor: é um dos personagens principais, interpretado por Daniel Day-Lewis de forma brilhante. Ele é um fazendeiro sensato que sofre um tormento interno por ter traído sua esposa com Abigail. Não consegue se perdoar e sente que é um homem ruim por isso. Ao longo do filme, ele se assusta com a perda de razão dos julgadores e com as mortes desnecessárias de pessoas inocentes ao seu redor. Tenta interferir, oferece provas de que o que está ocorrendo é absurdo, mas por causa da rigidez e da empáfia do Juiz Danforth, que se recusa a dar um passo atrás em seu julgamento, acaba sendo condenado à morte. Antes de morrer ele tem a chance de assinar uma confissão de sua ligação com o demônio e continuar vivo, porém recusa a confissão para não perder sua honra eo não deixar que outras pessoas tivessem morrido em vão. Exatamente no momento em que é considerado culpado pelos seus semelhantes é que ele é absolvido e se vê como pessoa boa para si mesmo e para nós, que conseguimos olhar com distância e isenção. É a ovelha sacrificada para "purificar" o vilarejo de suas maldades.
4. Religião: o filme mostra como os ideais religiosos podem ser perniciosos para a vida cotidiana das pessoas. É quando vê, em brincadeira de meninas que dançam na floresta e permitem o despontar da sexualidade, algo sujo e demoníaco que começam os problemas. A busca de uma perfeição nos atos humanos, que é apoiada pela Justiça, acaba por punir justamente as boas pessoas. Os pragmáticos ou rancorosos se utilizam da caça ao Mal para conseguir realizar seus intentos materiais ou de vingança. Faz questionar até que ponto essa busca é possível ou desejável.  

Tuesday, March 15, 2011

Sobre o sofrimento

Estava conversando com meu colega Sérgio Rachman outro dia e percebi algumas coisas, que podem parecer banais, mas ainda quebram a cabeça de muita gente. A primeira delas é se o sofrimento é natural, se faz parte da vida, ou se pode ser extirpado da existência humana.
As pessoas que acreditam que ele é condição inerente da humanidade são responsáveis por toda a tradição filosófica da psiquiatria e pela possibilidade de ver o paciente como um ser inteiro, enfrentando as mesmas dificuldades que todos nós. Olhei para meu paciente mais grave do consultório, o qual acompanho há alguns anos e pensei: ele é assim. Com todas as suas alterações bioquímicas cerebrais, suas dificuldades, sua determinação em continuar o tratamento, suas idiossincrasias. Tudo isso é ele, no sentido de que não dá para olhar só para a doença ou imaginar que a medicação irá modificá-lo tanto que eu  não reconheça mais essas características dele. Na verdade, eu gosto dele (e isso porque ele me liga tantas vezes aos finais-de-semana,  me acorda no sono e me deixa preocupada)...
Por outro lado, existem os cientistas, os neurotransmissores, a possibilidade de mudar as coisas e de alterar o funcionamento cerebral. Os psiquiatras modernos querem acabar com o sofrimento, tanto é que o DSM V (a classificação americana das doenças mentais que está sendo preparada e será lançada em 2013) não irá mais discriminar o período de luto como sendo uma época especial, na qual você toma mais cuidado para diagnosticar depressão. Ou seja, a tolerância com esta dor psíquica será menor, pelo menos oficialmente, e estaremos autorizados a diagnosticar depressão em quem está em luto com maior liberalidade. É esse pensamento que criou as medicações psiquiátricas e as terapias de reabilitação e que conseguiu tirar tantos doentes mentais dos manicômios, fornecendo drogas que alteraram sua visão de mundo.
Tento conciliar as duas visões, é sempre um desafio. Eu acho que o sofrimento faz parte da existência humana, não é possível imaginar que os homens vivam um estado sempre feliz ou, até pior, anestesiado. Mas às vezes a dor é tanta, ou o indivíduo tão frágil, que precisamos de "analgésicos psíquicos" para poder seguir em frente. Quais serão as consequências disso: não sei. Estaremos criando uma geração mais acostumada a usar remédios para mexer com suas sensações?  Ao final de algumas décadas todos estarão usando medicação para sanar as menores atribulações da vida? Conseguiremos finalmente ter uma vida com mais harmonia e produtividade? É para se pensar...

Friday, February 4, 2011

Helen Keller

Enquanto espero a Sofia fazer sua aula de música às quartas-feiras, fico lendo um livro que está à venda na loja de brinquedos que fica em cima da escolinha. Era um livro sobre o qual eu já havia escutado durante a residência, mas nunca tive a oportunidade de ler: "A história da minha vida", de Helen Keller. Muito emocionante e tocante. Essa mulher nasceu no meio do Alabama no século XIX, e com um ano e meio teve alguma doença infecciosa que a deixou cega e surda. No final das contas, para resumir a história, ela aprendeu a falar não só o inglês mas o alemão e o francês e se formou em letras...
A descrição de como aprendeu o significado da primeira palavra, água, foi a mais bonita do livro para mim. É interessante a descrição do que foi sua primeira abstração, o primeiro conceito que se formou para ela. Isso foi uma abertura para novos mundos e deu um sentido para seus pensamentos e para sua energia.
Ela conta que a professora de surdos-mudos, a Srta. Sullivan, que a acompanharia pela vida toda, havia chegado à fazenda e lhe dera uma boneca de presente. Helen destruiu a boneca em um acesso de raiva que era muito frequente com ela. Após um tempo juntas, em outra ocasião, foram ao riacho perto da casa e a professora escreveu em sua mão a palavra "água", colocou sua mão nos lábios para mostrar a pronúncia do nome e mergulhou a mão na água para mostrar o que estava tentando comunicar. A autora conseguiu juntar a sensação com a palavra e tudo se fundiu num único significado, deixando-a maravilhada com a possibilidade de se comunicar e com o que estava sendo ensinado. Depois que voltaram para casa, tentou consertar a boneca da melhor maneira que conseguia e a mostrou para a professora. Talvez fosse uma forma de agradecimento, ou a tentativa de consertar a pessoa que ela havia machucado antes. Algumas teorias em psicanálise versam sobre a necessidade humana de reparar o mal que foi feito, e que isso geralmente vem após o entendimento de que a pessoa com quem nos relacionamos é uma só, ao mesmo tempo odiada e amada, uma pessoa total. Acho que isso se aplica  a esta situação.

Thursday, December 23, 2010

Meu aprendizado sobre cozinha

Aprendi que cozinhar requer muito tempo dentro da cozinha: o tempo do cozimento e do resfriamento, o tempo que o fermento leva para ajudar a massa a crescer e o tempo da geladeira. Fora o tempo do teste das receitas até que você possa criar algo decente...
Além do tempo dentro da cozinha, existe o tempo estudando na internet e lendo livros sobre culinária, que é o meu preferido. Encontrei sem querer um site magnifíco sobre os processos químicos envolvidos em cozinhar enquanto lia sobre brinquedos interessantes para as meninas, que se chama "Your mother was a scientist",  http://kitchenscience.sci-toys.com/Introduction. É necessário ter conhecimentos de química orgânica para entender o site, mas vale muito a pena, porque te dá liberdade para variar as receitas ao seu bel-prazer, já que você passa a entender os fundamentos do que está preparando.
Entendi o motivo do nome "temperar" para o resfriamento do chocolate para fazer bombons, por exemplo. Para quem não sabe, você precisa mexer o chocolate derretido repetidas vezes sobre uma superfície fria, como a pedra da pia, até que ele fique morno, o que é muito chato. Temperar vem de dar a temperatura certa, porque ao resfriar o chocolate, pequenos cristais começam a se formar, e a taxa de formação deles é ditada pela perda de calor. Se a perda de calor é rápida demais, cristais longos se formam e o que os nossos sentidos percebem é um chocolate duro, opaco e quebradiço. Isto também acontece quando ele fica armazenado por muito tempo e começa a esbranquiçar: são estes cristais que estão se alongando.
Aos poucos vou contando o que estou aprendendo...

Tuesday, December 21, 2010

Sobre o envelhecimento

Eu não sou uma pessoa velha, ou idosa, como diz a terminologia corrente. Mas já consigo ter um vislumbre do que me espera nos anos futuros. Não sei por qual combinação de fatores acabo me sentindo pertencente ao time "de lá", mas nas reuniões de amigos tenho mais assunto em comum com as mães das minhas amigas do que com elas mesmas. Talvez seja a pele do rosto mais flácida dos 30 anos junto ao fato de ter 2 filhas, ou então porque já tenho uma história, já posso contar sobre minhas experiências sem parecer tão petulante.
O fato mais importante que percebi com essa situação é que até ao final ainda existe uma expectativa de coisas boas pela frente. Isso é o grande motivador da vida: a esperança em um futuro no qual existam prazeres a serem vividos, sejam eles quais forem. É por isso que os livros de psiquiatria insistem que as pessoas idosas precisam ter uma esperança, do contrário estão deprimidas. Antigamente achava que era um exagero e que aos poucos a gente ía abandonando a vida, como se nos tornássemos ascetas. Algumas pessoas privilegiadas são capazes disso, mas a maioria não é. Os hindus (os brâmanes, segundo me informou meu sogro) têm um ideal de conseguir cortar os vínculos materiais, familiares e sociais aos 60 anos. Ou seja, poder fazer uma despedida da vida que construíram no início da terceira idade para viver uma vida mais simples e dedicada à religião. Nós mesmos acreditamos que os mais velhos precisam menos de "futilidades", como passeios, roupas, etc, do que os mais jovens, mas não é bem assim. E talvez seja bom desse jeito, porque afinal, a esperança é a última a morrer, não é?