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Tuesday, March 15, 2011

Sobre o sofrimento

Estava conversando com meu colega Sérgio Rachman outro dia e percebi algumas coisas, que podem parecer banais, mas ainda quebram a cabeça de muita gente. A primeira delas é se o sofrimento é natural, se faz parte da vida, ou se pode ser extirpado da existência humana.
As pessoas que acreditam que ele é condição inerente da humanidade são responsáveis por toda a tradição filosófica da psiquiatria e pela possibilidade de ver o paciente como um ser inteiro, enfrentando as mesmas dificuldades que todos nós. Olhei para meu paciente mais grave do consultório, o qual acompanho há alguns anos e pensei: ele é assim. Com todas as suas alterações bioquímicas cerebrais, suas dificuldades, sua determinação em continuar o tratamento, suas idiossincrasias. Tudo isso é ele, no sentido de que não dá para olhar só para a doença ou imaginar que a medicação irá modificá-lo tanto que eu  não reconheça mais essas características dele. Na verdade, eu gosto dele (e isso porque ele me liga tantas vezes aos finais-de-semana,  me acorda no sono e me deixa preocupada)...
Por outro lado, existem os cientistas, os neurotransmissores, a possibilidade de mudar as coisas e de alterar o funcionamento cerebral. Os psiquiatras modernos querem acabar com o sofrimento, tanto é que o DSM V (a classificação americana das doenças mentais que está sendo preparada e será lançada em 2013) não irá mais discriminar o período de luto como sendo uma época especial, na qual você toma mais cuidado para diagnosticar depressão. Ou seja, a tolerância com esta dor psíquica será menor, pelo menos oficialmente, e estaremos autorizados a diagnosticar depressão em quem está em luto com maior liberalidade. É esse pensamento que criou as medicações psiquiátricas e as terapias de reabilitação e que conseguiu tirar tantos doentes mentais dos manicômios, fornecendo drogas que alteraram sua visão de mundo.
Tento conciliar as duas visões, é sempre um desafio. Eu acho que o sofrimento faz parte da existência humana, não é possível imaginar que os homens vivam um estado sempre feliz ou, até pior, anestesiado. Mas às vezes a dor é tanta, ou o indivíduo tão frágil, que precisamos de "analgésicos psíquicos" para poder seguir em frente. Quais serão as consequências disso: não sei. Estaremos criando uma geração mais acostumada a usar remédios para mexer com suas sensações?  Ao final de algumas décadas todos estarão usando medicação para sanar as menores atribulações da vida? Conseguiremos finalmente ter uma vida com mais harmonia e produtividade? É para se pensar...